Tuesday, May 23, 2006

INTRODUÇÃO: A ESTÉTICA DO FEIO


"I believe I could eat your cancer when It turns black" - Kurt Cobain

Geralmente, o que as pessoas esperam da poesia é que ela trate de assuntos considerados universalmente "poéticos". Mas o senso comum acerca desse conceito é que os tais "assuntos poéticos" dizem respeito apenas a textos que tratem de temas como o amor, a amizade, a paz, e outros temas congêneres. A poesia dita "escatológica" é tida, por um consenso quase geral, como algo a ser repudiado na literatura.
Os poetas que ousaram escrever textos com temática considerada como escatológica, invariavelmente, eram e são tachados de "malditos". Essa é uma denominação que não vem de hoje. Desde os tempos de Byron, passando pelos decadentistas, pelos simbolistas e pelos expressionistas, os poetas que versaram a respeito de morte, putrefação, decomposição, perversões sexuais e outros temas considerados mais "pesados", eram considerados "anti-poéticos".
À época do lançamento de seu volume de poemas denominado Eu, o poeta paraibano Augusto dos Anjos enfrentou esse problema por parte da crítica e também por parte de uma parcela do público leitor acostumada às inocentes líricas românticas, ou às inócuas extravagâncias parnasianas. Acusaram seu livro de ser anti-poético justamente por muitos poemas versarem a respeito de assuntos como a decomposição da matéria orgânica.
Esse fenômeno de preconceito literário se arrasta até os dias de hoje. A poesia escatológica é considerada como uma literatura menor, ou até mesmo como uma anti-literatura, justamente por remar contra maré e abordar os tais temas anti-poéticos.
Um dos maiores poetas brasileiros vivos chama-se Glauco Mattoso, e vários de seus poemas têm a temática centrada na escatologia. A poesia de Mattoso mostra que a qualidade de um texto não precisa necessariamente estar vinculada a "temas bonitinhos". Ele escreve, por exemplo, sobre chulé com maestria ímpar.
O presente livro (e agora, um blog da internet, também) nasceu de uma inconformidade. Cansei de ver a fútil sociedade atual venerar e se curvar aos padrões estéticos da maldita e famigerada "ditadura da beleza". É preciso lambuzarmos de fezes os rostos bonitos que aparecem nas capas das revistas de "celebridades". É preciso jogarmos pus e todo o tipo de excremento corporal e matéria orgânica em decomposição em toda essa futilidade. E o lugar para o feio, para a estética do feio, onde fica?
O livro de poesia A Poesia Da Podridão (agora transformado também em blog) pode ser considerado quase um manifesto contra a beleza fútil, o sorrisinho falso, a celebridade descerebrada (mas bonita e, só por isso, festejada), a burrice, o "bom gosto" daqueles que, na verdade, não possuem gosto nenhum. Os poemas tratam de temas por vezes agressivos, talvez repugnantes, mas todos os poemas são uma tentativa de remar contra a maré e festejar tudo o que é feio. É uma crítica ácida aos idiotas que se curvam e consideram "bonito" e "de bom gosto" aquilo que a ditadura midiática da beleza lhes impõe.
Os poemas do livro-blog A Poesia Da Podridão são chocantes, em sua maioria. Mas a intenção é justamente essa. Temos que chocar, chacoalhar, estremecer os idiotas que seguem padrões que a mídia impõe, nessa desgraçadíssima ditadura da beleza.
Quanto à forma, os poemas seguem um padrão clássico de metrificação e de rima. Há vários sonetos, forma fixa de composição poética consagrada por escolas literárias como o Parnasianismo. Há desde as métricas populares, como as redondilhas maior e menor até os decassílabos. As influências se estendem desde Álvares de Azevedo, Byron, Augusto dos Anjos e Marquês de Sade até Glauco Mattoso.
A podridão é a podridão, mesmo. Mas ela não é gratuita. Como já insisti em parágrafos anteriores, tem um propósito. Que o leitor inteligente entenda.

William Duarte
Cuiabá, 30 de Maio de 2005

2 comments:

Rui Alberto said...

bom ensaio. na minha opinião a poesia é a mais ampla forma de liberdade do ser humano. já vi poemas estéticamente "feios" que tratam de forma exemplar o amor. aconselho-te um poeta português, já falecido, que creio vir a ser do teu agrado, al berto.
um abraço.

Bruno Giroto said...

relamente a estética da beleza é um ditame difícil de mudar, muito em função também das imposições sociais e midiáticas. Contudo, particulamente em relação à poesia, não me apetece a idéia de um poema "escuro". Não digo aqui "a arte pela arte" e o rigor formal, e sim a poesia livre, com um sentido claro e que trate de questões sociais e da natureza humana.
grande abraço